sexta-feira, novembro 26, 2004

Chuva de verão intermitente, num dia sem fins

A chuva e o baque entre ela e a janela: é como um grito que ecoa no meu alvorecer. Eu aqui, cheio de cultura em cima dos papéis, cheio de notas pra tomar, cheio de vidas e até mesmo providências. De que me importam estas vidas? Não as viverei nem serei dono de outra idéia qualquer. Um dia intermitente sempre tem cara de morto. Ainda me pergunto isso. Mesmo sem vontade de escrever, retomo tudo, como se precisasse completar uma essência em mim, me refugiando no que não existe. Um dia intermitente tem cara de papel fosco, de pão de padaria. Tenho duas provas e algumas partituras pra ler. Tomo-as em minhas mãos e solvejo algumas notas. Nota zero em qualquer coisa que tente demonstrar por absurdo que não sou eu que escrevo. Nota mi, a música começa com um mi na parte dos tenores. Eu vou cantar provavelmente esta parte, e murmurar os pedaços que não conseguir. A chuva e a tecla do piano, não existe dia intermitente, nem chuva que não tenha fim.

Eu estou escrevendo dois contos. Os dois vieram de idéias da minha cabeça. Mas creio que me apeguei a um deles, porque se aproxima da realidade. Usei personagens que existem, sem descrições. Não quero descrições, porque elas [as personagens] não existem de verdade. São fruto da realidade. Tudo que é real não é intermitente. Tudo que mora em mim é puramente fictício, desde minha primeira conversa com uma pessoa até o último suspiro que hei de dar. Alguém escreve minhas linhas, como escrevo a doce história do pobre Hugo.

A chuva cessou lá fora, como disse não há chuva sem fins...